é frankenstein ou não?

vamos falar de três personagens chamados pelo nome "errado" entre o público, mas juro que foi apenas coincidência e o título não tem nada a ver com isso

Imagem de Frankenstein (1931). O monstro (no seu visual clássico, com parafusos no pescoço) colhe flores junto com uma menininha em frente a um lago

🍀 continuando...
Oiê! Veio aí a segunda newsletter Do Meu Jardim. Sei que na edição anterior mencionei a provisoriedade do nome, mas me afeiçoei tanto a ele que talvez deixe de ser temporário. O que acham?

Estou super feliz com a resposta de vocês ao lançamento! Imaginei que algumas pessoas se empolgassem com uma newsletter minha, mas não tantas pessoas - atualmente, estamos com mais de 800 assinantes por email! Tive até que mudar o plano do Ghost, já que ultrapassamos em muitas vezes o máximo permitido na versão gratuita (inclusive, muito obrigada a nossos 5 lindíssimos assinantes pagos, que estão ajudando a bancar parte desse custo sem eu nem ter mencionado antes a possibilidade de apoio! Valeu mesmo, borboletas 🦋).

Mais do que qualquer número, o que mais chamou minha atenção foi a qualidade dos comentários. Que demais ver tanta gente interessada no conceito dos jardins digitais e na possibilidade de criarmos algo semelhante por aqui. Já aproveito pra perguntar se alguém aí começou seu próprio jardim. Como foi sua experiência?

(Se você não sabe o que é um jardim digital, recomendo a leitura do trecho por que um jardim? na primeira edição. Lá eu explico o conceito e também o formato que vamos usar aqui na Do Meu Jardim. Caso não queira ler agora, o resumo é: aqui nada é definitivo e tudo é interconectado. Os textos são divididos entre sementes 🫘, brotos 🌱 e árvores 🌳 de acordo com complexidade, conexões ou elaboração. Dá uma olhada no texto completo se quiser saber os detalhes!)

apresentando meu jardim
o primeiro post da mikannn na newsletter do meu jardim. nele, falamos dos motivos pra ter uma newsletter, de jardins digitais e muito mais

a primeira edição, caso tenha perdido!

Hoje, temos algumas sementes e brotinhos que cultivei nos últimos dias. Algumas das sementes da edição anterior brotaram, inclusive! Vamos lá?

🫘 Começou a 16a edição do Cinefantasy - Festival Internacional de Cinema Fantástico, e tive a honra de participar do júri de animação deste ano! O festival vai de 2 a 14 de setembro e exibirá gratuitamente 110 filmes de 30 países no CCSP, aqui em São Paulo, mas parte da programação também será exibida online em todo o Brasil via Darkflix+. Para mais informações, é só conferir o site do evento. Se quiserem, no futuro, podemos falar mais de algumas das obras do festival.

🌱 Nos últimos dias, vi Princesa Mononoke em IMAX. Foi uma experiência ainda melhor do que eu imaginava: quanto mais vejo esse filme, mais me apaixono. Esse foi o tema do vídeo que fiz sobre ele recentemente, inclusive. Torcendo pra não tomar strike do Studio Ghibli (quem sabe, sabe) 🙏 Mas Princesa Mononoke não é o único relançamento em 2025: entre setembro e outubro, vai rolar o Ghibli Fest, com reexibição de 14 longas do Studio Ghibli em cinemas por diversas cidades brasileiras. A pré-venda começa em 4/9 e dá pra conferir os cinemas participantes na página da Sato Company ou nos posts do pessoal do @ghiblibrasil. Se você estiver na dúvida de quais filmes assistir, veja todos! tem uma ordem que sugeri no canal faz uns anos. Está bem desatualizada, já que saiu antes da estreia de O Menino e a Garça, mas pode ser um bom ponto de partida.

🫘Aliás, aproveitando pra fazer mais um pouco de automerchan, também teve um Responde, Mikannn! em que discuti brevemente aquela treta do George R. R. Martin mencionada na última edição da newsletter.

🌱 E teve um vídeo de uma hora e quarenta minutos sobre o Pedro Pascal. Ainda tô cansada depois de ter feito algo tão longo, rs. (Também tem um corte em reels pra quem quiser algo mais compartilhável.) Mas enfim, um dos filmes que vi durante a pesquisa pra esse roteiro foi O Peso do Talento. Na história, a versão fictícia de Nicolas Cage sempre falava de seu "grande retorno - não que a gente tenha ido embora". Meio que é verdade: olhando a filmografia, dá pra ver que ele faz muita coisa. Agora ainda saiu a notícia de uma negociação com a HBO pra estrelar a 5a temporada de True Detective. Pode ser mesmo uma espécie de retorno sem nunca ter ido embora.

imagem imitando uma tela antiga do internet explorer com um site do geocities aberto. vemos a silhueta de uma pessoa mexendo no computador em um quarto e o texto: the internet lived in a room

🌱 Continuando o papo sobre explorar a internet que começamos na primeira edição, outra reflexão bacana é a do vídeo The Internet Used to Be a Place, de Sarah Davis Barker. Antigamente, a internet tinha um lugar muito específico em nossas vidas e praticamente deixava de existir quando saíamos desse espaço. Agora... bem... né? Essa thread de kimkelly no bluesky complementa bem o papo:

posts dizendo: "things were better when the computer lived in its own specific room and you only went in there sometimes" e "Going Online was an action you took and then walked away from as soon as your mom needed to make a phone call"
"As coisas eram melhores quando o computador ficava em um cômodo específico da casa e a gente só entrava lá de vez em quando. Entrar na internet era uma ação que você fazia e logo saía assim que sua mãe precisava usar o telefone."

🫘 A segunda temporada de Samurai de Olhos Azuis entrou em produção e a Netflix lançou um teaser com algumas informações de bastidores. Acabei perdendo o timing de cobertura na época em que a primeira temporada estreou (lááá em 2023), mas recomendo demais pra quem curte histórias de vingança. É uma das melhores animações da plataforma e espero que volte logo!

🌲 o "verdadeiro" monstro de Frankenstein

Falando na Netflix, começaram a sair as primeiras críticas do Frankenstein de Guillermo Del Toro após a estreia no Festival de Veneza. Estou bastante curiosa com essa versão, já que pelo menos desde 2007 o diretor diz que "mataria para fazer" uma adaptação do livro de Mary Shelley em forma de tragédia miltoniana.

Evito ler críticas antes de ver o filme, mas a estreia mundial é só em novembro e tenho memória de peixinho dourado, então decidi ler a do Independent após me deparar com esse post da visualglitch91 no bluesky.

print de post de visualglitch91 no bluesky: A pessoa xingando o filme  "The Mexican director has chosen to emphasise the romanticism at the expense of the horror. Elordi plays the creature as a misunderstood, James Dean-like outsider with Oedipal issues rather than as an agent of evil and chaos."  Tipo??

Claro que não dá pra desconsiderar totalmente a crítica sem ter assistido ainda, mas... parece que alguém não leu o livro. Meio que todos os elementos da reclamação estão lá no texto original, né? Pode até ser que o Del Toro tenha falhado completamente na forma de adaptá-los, mas a crítica se queixa da mera presença dessas características em detrimento de outras que talvez aproximassem o longa de outras adaptações da mesma história.

Isso é o mais interessante pra mim: não o equívoco quanto aos temas do livro, mas o uso de adaptações anteriores como parâmetro de qualidade. O texto já começa comparando o visual de Jacob Elordi, que interpreta o monstro nessa nova versão, ao de Boris Karloff, o "Frankenstein" clássico dos anos 1930. Depois, fala que é impossível esquecer outras obras:

"Os públicos já estão tão imersos no mito de Frankenstein que dificilmente conseguiriam assistir a este filme com olhos inocentes. Eles já tiveram os filmes da Universal; a clássica paródia O Jovem Frankenstein, de Mel Brooks; os terrores da Hammer; a tentativa crua de Kenneth Branagh nos anos 1990; a adaptação de Yorgos Lanthimos para o romance de Alasdair Gray, Pobres Criaturas, de tema semelhante; e até o Frankenstein de Andy Warhol. Esta pode até ser uma interpretação muito mais fiel ao romance do que a maioria de suas antecessoras, mas isso não significa que consiga exorcizar suas memórias."

imagem do monstro de frankenstein amarrado a uma cama (visual clássico do filme de 1931)
Cuidado: não se parece com Jacob Elordi

Realmente, é impossível fazer o mundo esquecer algo tão enraizado na cultura pop como um "Frankenstein" com parafusos no pescoço ou pele costurada. Mas será que é papel do crítico fazer essas comparações pra qualificar uma adaptação? Afinal, é uma adaptação do livro de Mary Shelley ou do imaginário popular do personagem? Não podemos desconsiderar que obviamente, assim como o público, Del Toro também foi exposto ao tal imaginário popular e provavelmente foi influenciado por alguns desses clássicos. Isso não quer dizer que ele deva repetir as decisões criativas de qualquer um deles.

Acho melhor aprofundar essa discussão quando o filme já tiver saído (esse texto era pra ser só um broto e já virou uma árvore, hahaha!), mas a crítica do Independent, mesmo equivocada, me fez voltar a uma reflexão sobre a construção do imaginário popular. Personagens como o monstro de Frankenstein, Drácula ou Sherlock Holmes tiveram tantas versões, homenagens e cópias ao longo dos anos que algumas obras levam como material-base não só o texto original, mas também interpretações mais célebres.

Por exemplo: várias adaptações de Drácula retratam alguma trama romântica envolvendo o personagem-título e Mina, a esposa de Jonathan Harker. É até relativamente comum traduzir Mina como a reencarnação da esposa perdida ou do único amor verdadeiro do vampiro. Drácula de Bram Stoker, de Francis Ford Coppola, talvez seja uma das obras mais influentes com essa característica.

Esse filme também foi uma das minhas primeiras referências do personagem. Antes disso, só tinha visto na infância o Drácula 2000, que passou alguma noite na Globo e (alerta de spoiler!) revelava que o vampirão na verdade era Judas Iscariotes. Foi um baita salto de qualidade pro Drácula de Bram Stoker, que mudou a química do meu cérebro na adolescência e me atiçou a procurar o original. Quando vi Drácula à venda num sebo por R$ 4, corri pra ler a história de amor trágico do conde. Mas... ela não estava lá.

imagem do filme drácula de bram stoker. drácula (gary oldman com cabelo comprido) beija mina harker (winona ryder)
Pera, como assim eles não se amam?

Apesar do título do filme de Coppola ser Drácula de Bram Stoker, no livro de Bram Stoker chamado Drácula, não tem esse amor trágico aí, rs. Na verdade, a relação entre os personagens é completamente diferente: Mina permanece fiel ao marido e despreza o vilão - que também não procura por sua alma gêmea. Isso não impede que diversas obras adotem a versão romântica. Recentemente, estreou o autoexplicativo Drácula: Uma História de Amor Eterno, que parte desse exato princípio, mas há vários outros exemplos, como o Dracula 3D de Dario Argento.

Eu não vi os dois últimos filmes citados, mas continuo gostando da adaptação de Coppola e do livro de Stoker, ainda que sejam completamente diferentes. Gosto de ver tramas envolvendo Drácula em um romance trágico (vide alguns dos jogos e a adaptação de Castlevania da Netflix). E daí que o original não é bem assim?

Geoffrey Macnab, o crítico do Independent que citei lá no começo, disse ser impossível "exorcizar" as memórias do público, e eu concordo parcialmente. Quando falamos de personagens tão populares, é de se esperar que um novo filme não seja o primeiro contato das pessoas com aquela história. É comum que algumas versões se tornem tão influentes quanto a original ou até superem sua notoriedade. Algumas criam raízes tão profundas no imaginário popular que se tornam o próprio cânone, substituindo o material-base como a "verdade" pra muita gente.

Isso não quer dizer que a interpretação notória deva se tornar regra pra obras futuras. Nem todo Drácula precisa procurar sua alma gêmea. Nem todo monstro de Frankenstein precisa se parecer com Boris Karloff e seu pescoço parafusado. É icônico, é influente, mas é apenas uma das visões possíveis.

Claro que o público vai fazer comparações - não dá pra não se lembrar das nossas principais referências. Mas não acho que o crítico deva se ater a essa camada. Existem até discussões sobre o quanto se deve levar em conta qualquer outra obra ao analisar algo, mesmo se for o texto-base pra uma adaptação. Ainda que não levemos isso tão à risca, ser diferente do original não necessariamente desabona uma versão - imagina, então, ser diferente da ideia que se tem de um personagem na cultura pop, rs.

Amo os filmes de Guillermo Del Toro e amo o Frankenstein de Mary Shelley. Não sei se vou amar a adaptação feita por ele (espero que sim!). Só saberemos depois da estreia. O que sei é que a crítica do Independent me deixou com mais vontade de ver o longa. Uma visão romântica e trágica que retrata o monstro como um indivíduo incompreendido? Manda mais, por favor!

🫘 Essa música da trilha de Castlevania: Symphony of the Night estava na página do TV Tropes sobre o Conde Drácula que linkei no texto acima. Acabei escutando enquanto escrevia parte da edição, então quis compartilhar com vocês. Esse jogo é incrível e a trilha sonora da Michiru Yamane é um clássico 🦇

imagem do jogo silksong. a personagem hornet (um inseto de rosto branco e roupa vermelha que segura uma agulha) está em um cenário todo verdinho

🌱 Falei na edição passada sobre o anúncio do lançamento de Hollow Knight: Silksong, né? Pois bem, estamos perigosamente perto da data anunciada: 4 de setembro. Confesso que queria tirar umas férias improvisadas só pra conseguir jogar. Sou apaixonada por Hollow Knight e tenho um vídeo sobre ele no canal. Lá, falo da maravilha que é explorar os mapas e me perder por eles. Espero ter uma sensação parecida em Silksong :) Outra coisa bacana que veio com o anúncio foi uma reportagem do Jason Schreier sobre o motivo da demora no lançamento. Pra quem não sabe, Schreier é repórter investigativo e vive denunciando todo tipo de abuso trabalhista na indústria dos videogames. Dessa vez, porém, a história é outra. O jogo demorou sete anos pra ser feito porque... a equipe estava trabalhando com calma, sem pressão, e se divertindo pra criar Silksong. Eles nem sabiam o que é o Jira! Em uma indústria que volta e meia nos brinda com escândalos envolvendo crunch, administração caótica ou coisa pior, é uma bênção saber que o pessoal da Team Cherry está feliz. Taí um jogo que vou comprar com gosto!

🌱 Falando em coisa pior no mundo dos videogames, recentemente o canal People Make Games postou um novo documentário sobre o legado de Disco Elysium, uma continuação do que eles já tinham feito uns anos atrás. Um comentário no vídeo mais recente diz: "A essa altura, Disco Elysium não é mais um jogo, mas uma demonstração contínua do quão ruinosas são as forças do capital". Pior que, com algumas adaptações, isso poderia muito bem ser uma fala dentro do próprio game. Se você não conhece a história de Disco Elysium e do estúdio ZA/UM, talvez não consiga nem imaginar quão irônica é a situação, e nem sei se consigo explicar por aqui, já que é uma treta bastante complexa e cheia de detalhes jurídicos e corporativos (tanto que o PMG levou mais de 4 horas pra explicar ao longo de vários anos). Resumindo muito: as principais pessoas envolvidas no desenvolvimento de Disco Elysium já não trabalham no estúdio ZA/UM, que lançou a obra em 2019. Os criadores acusam um dos sócios de ter roubado a empresa em um golpe. Teve processo, lavagem de roupa suja em público e uma série de acusações. Agora tem umas cinco empresas fazendo jogos que poderiam ser considerados sucessores, mas nenhum deles se chama Disco Elysium 2 por causa de mais complicações nos bastidores. É uma história muito louca pra um jogo muito louco (inclusive, parei de jogar bem no começo e queria voltar logo, porque é realmente fascinante). O pessoal do Jogabilidade comentou parte dessas tretas, pra quem quiser ouvir em português.

🫘 O YouTube me recomendou um vídeo sobre essa ferramenta de criação de mapas chamada Canvas of Kings e agora quero baixar e criar mil mundos pra jogar RPG.

🫘 A newsletter de O Joio e O Trigo contou sobre a exclusão aparentemente arbitrária de diversos episódios de seu podcast pelo Spotify. Eles estavam no ar há anos e foram removidos por supostamente terem músicas que violavam direitos autorais, mas sem nenhuma informação sobre quais músicas e em quais momentos dos episódios. O texto enuncia alguns dos problemas de decisões automatizadas como essa e, também, a importância de se pensar no impacto do quase-monopólio dessas grandes empresas na distribuição de conteúdo.

🍀 Aqui cabe uma conversa sobre o Substack estar se tornando para as newsletters algo equivalente ao que o Spotify está para os podcasts, o que acho bem negativo, mas podemos falar mais disso outro dia. Por enquanto, caso você tenha conhecido meus textos via Substack, peço que considere assinar diretamente pelo Ghost e ler a newsletter via email ou site. O Substack, além de ter um problema sério com conteúdo supremacista, tem tentado se transformar cada vez mais em rede social e manter os leitores presos à plataforma.

🍂 links, créditos, avisos e o que o coração mandar

  • Amei esse texto do RogerEbert.com sobre as muitas versões de Frankenstein.
  • Inclusive, se quiser ler Frankenstein, ele está disponível para compra aqui neste link.
    • Todo link de compra que for mencionado na newsletter é afiliado, ok? Isso quer dizer que eu recebo uma pequena comissão em cima de qualquer compra feita a partir dele. Não é uma publicidade ou algo do tipo (se for, eu sempre vou avisar e deixar bem claro)
  • Tem o link de Drácula também!
  • Sou muito fã desse vídeo do Ora Thiago sobre Frankenstein
  • Imagens usadas hoje são dos filmes mencionados: Princesa Mononoke, Frankenstein (o de 1931), e Drácula de Bram Stoker. A ilustração que diz "the internet used to live in a room" é a thumbnail do vídeo de Sarah Davis Barker que citei. A imagem de Silksong é da Team Cherry.
  • Se você por acaso trabalhar com uma marca que possa se interessar por patrocinar essa newsletter, me dá um alô! mikannn@brunch.ag

Até a próxima! 🌿